"A arte milenar da Korea"

Luta e Filosofia da Arte

 

KWON BOP KONG SOO DO

 

 

Luta e Filosofia

cada ação corresponde a uma reação

 

          A vida humana, em cada dos seus milhares de processos, reafirma esta lei. Tanto em termos mais gerais, nos campos da sociologia, psicologia, física, química, antropologia, etc., quanto em pontos específicos, como as inter-relações entre pais e filhos, professor e aluno, colegas de trabalho, político e povo, tudo enfim, que envolva a natureza, do homem e sua criação, contém em suas bases mais primárias essa lei de interação.

               

Baseado nisto, entender uma relação entre dois pontos de ação se torna extremamente fácil. Um pouco mais difícil, porém, é controlar os processos que acontecem dentro desta relação a ponto de repeti-los ou evitá-los, já que envolvem uma série de variáveis não manipuláveis.

 

                O Kwon Bop Kong Soo Do (KB-KSD), em sua totalidade, deve ser entendido não apenas como um esporte, um meio de defesa e ataque ou uma arte marcial, como nós ocidentais a concebemos. Mais que tudo isso, o KBKSD é também toda uma filosofia, todo um universo envolvendo conceitos profundos de convivência ( consigo mesmo em corpo e mente, e com os outros ), de interação, de reação, de disciplina e de reconhecimento e respeito a valores muitas vezes desconhecidos ou relegados pelos povos ocidentais.

   

           Justamente por constituir-se num universo tão vasto, torna-se difícil conhecer suas fronteiras e especificidades, daí o KB-KSD também envolve toda a metodologia de estudo, prática e teórica, visando o desenvolvimento conjunto do controle e da capacidade física, mental, social e filosófica.

               

Para que isto se torne mais claro, e para abordar o ponto que nos interessa, vou exemplificar, a partir da descrição de algumas atividades desenvolvidas numa aula de KB-KSD, salientando os principais conceitos e normas vivenciadas pelo Professor / Mestre e pelo aluno / discípulo.

               

Em primeiro lugar, vamos analisar estes dois conceitos, Mestre e Discípulo. Qual a diferença entre eles e os termos Professor e aluno?

               

Aparentemente, podem ser vistos como similares, mas diante da análise mais profunda, vamos ver que o professor é, basicamente, aquele que ensina, transmite uma informação ou um método, enquanto que o Mestre é ensinado, o modelo, o exemplo prático. Da mesma forma, discípulo é aquele que, mais que aprende, vivência as informações recebidas do Mestre e com ele compartilha de uma experiência de respeito mútuo, valorização e enriquecimento, algo que o atingirá a nível existencial, além do nível intelectual.

               

A abertura e o encerramento da aula de KB-KSD acontecem com um cumprimento entre Mestre e discípulos, que pode ser traduzido da seguinte forma: O aluno agradece o professor por estar sendo instruído e o professor agradece ao aluno a honra de ter sido escolhido e estabelece-se uma relação única, entre o grupo ( e cada um ) dos discípulos e o Mestre, baseada no respeito e obediência fundamentalmente no mérito do Mestre, em suas qualidades como tal. Isso sem falar que as relações entre discípulos devem se basear também, não só nos méritos já adquiridos por cada um, mas também nos seus esforços em aprimorar-se cada vez mais, tanto como atleta quanto como lutador e ser humano.

               

A hierarquia é respeitada rigidamente e baseia-se igualmente no mérito, assim como cada faixa significa um nível a mais neste aprimoramento contínuo, que só termina como o 10º Dan, concedido como honra póstuma, numa valorização que transcende as fronteiras da existência material. Até mesmo os lugares ocupados pelos alunos durante a aula têm um significado dentro dessa hierarquia. Correspondem a uma estratificação, dentro da qual o aluno só ascende por mérito e esforço. Qualquer atitude durante a aula deve ser autorizada pelo Mestre, responsável por manter regras disciplinares elaboradas durante séculos, até os nossos dias.

 

 A postura do Mestre diante dos alunos é rígida e sua palavra, absoluta. Por isso, para ser Mestre de KB-KSD, ele tem que passar por todos os níveis (faixas) de aprendizado e preparação física, teórica e filosófica. Talvez nossa visão ocidental possa vir a considerar esta autoridade atribuída ao Mestre como extremista e excessiva, mas é preciso ver que convivendo com ela, o aluno estará incorporando controle e obstinação, essenciais para quem também está recebendo técnicas de combate. Além do mais, subindo de nível ( faixa ), ele se liberta desta autoridade na medida em que se torna apto a exercê-la. Esta, inclusive, é a chave teórica e prática que aprimoram técnicas potencialmente destrutivas, você incorpora uma absoluta responsabilidade sobre elas e uma exata noção de quando usá-las acertadamente. Aprende, além disto, a respeitar o espaço físico e o corpo dos outros seres humanos, num constante exercício de respeito à vida.

 

Esta responsabilidade, dentro do grupo e fora dele, é particular e global e deve ser mantida a qualquer custo. É muito comum que alunos recentemente iniciados na arte do KBKSD, empolgados com o poder que a aprendizagem das técnicas de luta lhes dá, tenham tendência a usá-las indevidamente, já que o aprendizado na filosofia é mais lento e difícil e exige condições nem sempre fáceis de estabelecer.  ( Ex.: interferências externas que violentem a ainda frágil relação do grupo com o Mestre, condições ambientais adversas, dificuldades por interferência externa em mante a disciplina, etc. ). Porém, logo ao atingirem os primeiros níveis ( faixas ), os alunos terão já aprendido estas normas de controle e respeito, já que são condições para que evoluam como atletas e discípulos.

               

Dentro do esquema de aula, qualquer outra coisa que não o mérito e a aptidão não poderá ser usada como pretexto ou justificativa para qualquer atitude ou direito hierárquico como, por exemplo, poder financeiro, idade, tamanho, força, cor, credo, interferência de terceiros ou até mesmo faixa, já que está é um símbolo de mérito, e se este não existe, o atleta não a merece.

               

O respeito ao grupo e à pessoa simbólica do Mestre ( representação do direito de ser respeitado por seus próprios méritos ) é essencial, tanto interna quanto externamente. Sobre a maneira de transmitir os ensinamentos, o Mestre deixa-se procurar pelo aluno, deixa que ele seja movido por suas próprias motivações em direção ao aprendizado. O aluno tem o direito de permanecer apático, pois não crescer como discípulo só a ele prejudica e isso é deixado bem claro. Porém, não é permitida a intervenção por parte do aluno desinteressado, nos demais membros do grupo. O aluno indisciplinado será afastado do grupo até que entenda a necessidade de respeitar os processos de aprendizagem dos companheiros e os esforços da Mestre, Cada um é responsável por cada um e pelo todo e vice-versa. Os valores reconhecidos e praticados implicam na hierarquia e na disciplina.

               

Quanto maior a faixa, maior se torna a responsabilidade do aluno com relação a si e aos outros. O comportamento pessoal e em grupo deverá ser aprimorado para que possa honrar o nível a que chegou.

               

            Ao aplicar uma punição por indisciplina, o Mestre será objetivo e rígido, quanto sua decisão, principalmente porque, desde o início, são datadas ao aluno indicações de como proceder corretamente. Um discípulo indisciplinado será apenas um aluno que aprendeu a lutar eficazmente e impunemente. O Mestre é respeitado por ser também capaz de obedecer aos seus superiores hierárquicos e controlar seu poder de luta e sua conduta.

               

Finalmente, para definir o espírito do praticante, nada mais indicado do que algumas noções que são passadas em aula, com estas :

 

Se tiver que lutar, não fira.

   Se obrigado a ferir, não aleije.

   Se obrigado a aleijar, não mate.

   Porque toda vida é necessária e insubstituível.

 

 

  A autoridade e a hierarquia são meritórias, nunca arbitrárias.

 

O praticante nunca toma a iniciativa só ataque. O seu primeiro gesto é de defesa.

 

O cumprimento entre os atletas, antes e no fim da luta, siginifca o desejo de que o adversário não se machuque, porque apesar de ser um oponente, ele está emprestando o seu corpo para que o outro treine suas técnicas e se aprimore.

 

 

Ao ferir um adversário, o atleta ajoelha-se de costas para o ferido. Isto mostra que está arrependido e envergonhado por tê-lo ferido e por isso se coloca vulnerável ao oponente atingido.

 

          

  E por fim, algo que redime o aluno dentro da rigidez disciplinar em que ele assume técnicas e conceitos:

 


 Aprender a forma para se libertar da forma

 

 Ter o poder de atingir e ferir e optar conscientemente por não fazê-lo

 

 Harmonizar mente e corpo num aperfeiçoamento contínuo que leva. Nãà empáfia e a vaidade. Mas a serenidade de ser e poder simplesmente, dentro da segurança do mérito